O transporte rodoviário move o Brasil: cerca de 95% dos deslocamentos de passageiros e 65% do escoamento de cargas passam pelas estradas. Apesar disso, apenas 12,4% da malha nacional é pavimentada e, segundo a última Pesquisa CNT de Rodovias, 67% desses trechos estão em estado ruim, péssimo ou regular.
A má qualidade da infraestrutura provoca acidentes, perda de tempo, maior consumo de combustível e aumento das emissões de carbono. Pavimentos degradados exigem mais energia dos veículos, elevando o gasto de combustível e, consequentemente, as emissões de gases de efeito estufa.
Em 2021, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) calculou que cerca de 956 milhões de litros de combustível foram desperdiçados naquele ano por causa das más condições das estrada no país. Isso resultou em 2,53 milhões de toneladas equivalentes de CO? na atmosfera. Para neutralizar essas emissões, seria necessário o plantio de cerca de 15 milhões de árvores.
Ainda segundo o estudo, o prejuízo financeiro chegou a R$ 4,21 bilhões para os transportadores de cargas e passageiros no Brasil, que poderiam ser investidos em veículos com tecnologias mais limpas, como caminhões e ônibus elétricos.
Materiais sustentáveis ganham espaço
Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, aponta que, apesar de o Brasil ter avançado nos últimos anos em termos de sustentabilidade viária, principalmente nas vias concedidas à iniciativa privada, ainda há um longo caminho a ser percorrido. "De forma geral, ao analisarmos as práticas adotadas em países desenvolvidos, estamos bastante atrasados."
Atualmente, poucas são as rodovias do país que contam com pavimentos reciclados ou de borracha. "Há alguns novos contratos de concessão que já preveem avaliação ambiental, e alguns editais contemplam compensações ecológicas. Um exemplo recente é o leilão da nova Dutra, que já inclui projetos-piloto com uso de plástico reciclado e pavimento emborrachado. Mas ainda são casos pontuais", diz Quintella.
"A incorporação de materiais sustentáveis tem trazido benefícios relevantes, tanto do ponto de vista ambiental quanto operacional. Notamos que o uso do asfalto-borracha, por exemplo, tem demonstrado um aumento de 20% a 30% na durabilidade dos pavimentos em relação ao modelo convencional", afirma Fausto Camilotti, diretor de Operações da Motiva Rodovias — concessionária que administra trechos da Rodovia Anhanguera (SP-330) e da Rodovia dos Bandeirantes (SP-348).
A CART, que administra trechos da Raposo Tavares (SP-270) e outras estradas paulistas, utiliza resíduos de ressolagem de pneus coletados às margens das rodovias para a pavimentação. Já a Entrevias, além da borracha, utiliza o RAP, popularmente conhecido como asfalto reciclado, em trechos sob sua concessão.
Celso Luiz dos Santos Romeiro Junior, superintendente de Pavimentos da Arteris, ressalta que esses tipos de asfalto oferecem uma série de benefícios ambientais, econômicos e operacionais, em comparação aos materiais convencionais: Redução significativa das emissões de CO²; Preservação de recursos naturais; Eficiência econômica.
O asfalto-borracha é um caso de sucesso, mas sua expansão exige políticas públicas, ciência, incentivos econômicos e apoio à cadeia produtiva, incluindo capacitação técnica.
Tecnologia e energias renováveis
Para tornar rodovias mais sustentáveis, concessionárias também investem em tecnologia. O Grupo EcoRodovias, por exemplo, possui 46 usinas solares distribuídas em suas concessões, e aposta na substituição de veículos a diesel por guinchos elétricos. "Eles promovem o uso de energia limpa e a redução de até 185 toneladas de CO²", aponta Camilla Grossi, especialista em sustentabilidade do grupo.
Outras iniciativas da concessionária nesse sentido incluem a instalação de 96 pontos de recarga elétrica; a pesagem de caminhões em movimento, sem necessidade de parada ou redução de velocidade; e a implantação do sistema Free Flow, pórticos para cobrança automática de pedágio.
O sistema Free Flow elimina a necessidade de parada nas praças de pedágio, contribuindo para a fluidez do tráfego, a redução do consumo de combustível e das emissões, além de diminuir o risco de acidentes.
No mundo, países como Estados Unidos, França e Holanda tem investido em um projeto ainda mais audacioso: rodovias com placas de energia solar nas vias, gerando energia e compensando as emissões dos veículos. Para isso, são utilizados painéis especiais, chamados Wattway, que podem ser aplicados diretamente sobre superfícies de estradas já existentes.
A tecnologia ainda não chegou ao Brasil em razão do custo: a instalação é cerca de dez vezes mais cara que o asfalto tradicional.
Prevenção a eventos climáticos extremos
Com o aumento da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos, as rodovias tendem a ficar mais vulneráveis a danos que podem resultar em interrupções significativas no tráfego, prejuízos econômicos e, em alguns casos, perdas de vidas. Neste sentido, a Arteris, por exemplo, mantém uma plataforma que prevê riscos de deslizamento com até dez dias de antecedência, permitindo ações preventivas.
Pesquisadores da USP, com dados do projeto Adaptavias, alertam para o alto risco de deslizamentos e enchentes em diversas vias, especialmente em cenários pessimistas.
Temos substituído o asfalto convencional por versões modificadas, como o asfalto com borracha e o asfalto modificado por polímeros. Essas tecnologias contribuem para reduzir deformações na superfície do pavimento causadas por altas temperaturas, representando um importante investimento em prevenção.
Passagens de fauna
Outro impacto causado pelas rodovias é sobre a fauna que vive em suas margens. Por isso, tem se tornado frequente a adoção de corredores ecológicos, que permitem o deslocamento seguro de animais silvestres, reduzindo atropelamentos e acidentes automobilísticos.
"A construção de rodovias próximas a áreas de conservação no Brasil pode ter vários impactos negativos ao meio ambiente. Alguns dos principais incluem a perda e fragmentação do habitat natural, dividindo áreas anteriormente contínuas. Isso pode tornar mais desafiadoras a reprodução, a movimentação e o acesso a recursos alimentares", aponta Mariana Catapani, coordenadora de coexistência humano-fauna do Icas (Instituto de Conservação de Animais Silvestres).
Com uma malha rodoviária de cerca de 1,7 milhão de quilômetros, o Brasil é um dos países que mais registra atropelamentos de animais no mundo. Estudo publicado no periódico científico Heliyon aponta que, somente no estado de São Paulo, aproximadamente 37 mil mamíferos são atropelados por ano.
Isso ocorre porque a maior parte das rodovias foi construída sem prever estruturas que impeçam o acesso de animais à pista, como cercas e passagens exclusivas para fauna — demandas que só passaram a ser cobradas das concessionárias nas últimas duas décadas.
A Arteris, por exemplo, monitora mais de 300 dispositivos voltados à proteção da fauna em 3.200 quilômetros de rodovias. Já foram adotadas estruturas superiores e inferiores para travessia animal, além de um viaduto vegetado — o primeiro em uma rodovia federal no Brasil. "O complexo registrou a passagem de mais de 4.000 animais de 40 espécies, com redução de mais de 77% nos atropelamentos nos últimos dez anos", relata Daniela Bussmann, gerente de Meio Ambiente da concessionária.
Outro viaduto construído exclusivamente para a travessia de animais está localizado no KM 25 da Rodovia dos Tamoios, em Paraibuna (SP). O dispositivo foi implantado como parte das ações de mitigação da fauna, visando o licenciamento ambiental das obras de duplicação da estrada que corta a Serra do Mar paulista.
No Brasil, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) aponta que existem aproximadamente 1.100 dispositivos de proteção de fauna nas vias brasileiras, sendo que a maior parte corresponde às passagens inferiores, ou seja, túneis embaixo das rodovias para os animais.
Caminhos para um futuro mais verde
As experiências de São Paulo mostram que é tecnicamente viável integrar sustentabilidade à infraestrutura rodoviária. Trechos com asfalto-borracha, RAP e concreto reciclado já demonstram aumento na vida útil do pavimento, menor impacto ambiental e redução de custos operacionais.
Para Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, alerta para a necessidade de políticas públicas e regulatórias para tornar as rodovias brasileiras mais ecológicas. "O sistema deveria incluir exigências como corredores de fauna, cercas, passagens subterrâneas, zonas prioritárias e outras soluções que demandam financiamento público e incentivos fiscais."
Mais do que tecnologia, a transição exige vontade política, regulação eficaz e compromisso interinstitucional. Rodovias ecológicas não são apenas caminhos para o transporte de cargas, mas vias que podem reconectar o Brasil com um futuro menos poluente, mais eficiente e ambientalmente responsável.
Fonte: UOL